Terapias Alternativas: Dança

Roberta Ferreira Soares, Maria Carolina Vita Nunes, Rosangela Lodi Queiroz

6º semestre de Terapia Ocupacional da São Camilo

Profº responsável: Flávia Liberman

1. Introdução

            A dança vai muito além de uma seqüência de passos e saltos num determinado ritmo. É a arte que liga o corpo à alma, é uma forma de integrar corpo, movimento, expressão, pensamento e sentimento. É o instrumento facilitador do potencial criativo, da autopercepção, da comunicação, das transformações do indivíduo e de suas relações com tudo que o envolve.

 A dança é o meio de expressão natural e espontânea em que o corpo, integrando o ritmo e a música, ocupa dimensão espaço-tempo. Na dança livre a mobilidade do corpo, os gestos, as posturas, as evoluções no espaço traduzem os pensamentos dos indivíduos, sua afetividade, o conteúdo emocional de sua imaginação. É uma linguagem pela qual se comunicam idéias não expressas verbalmente. Ela é a única arte que não depende de nenhum elemento intermediário para concretizar-se: o ser humano dançante é ao mesmo tempo criador e criação.

É uma atividade que, por intermédio do corpo em movimento, inspira e motiva o homem, desde tempos imemoriais, a expressar seus sentimentos mais nobres e mais profundos, organizar-se como membro de uma sociedade, e a compreender as transformações do mundo, da realidade e de seu próprio ser.

Neste sentido, ao longo deste trabalho apresentaremos numa primeira etapa o significado da dança sob o contexto sócio-cultural na evolução histórica. Posteriormente mostraremos o caráter terapêutico da dança, finalizando com a apresentação do estudo realizado pela terapeuta ocupacional Eliane Dias de Castro com a aplicação da dança na Psiquiatria. Numa etapa final relataremos o procedimento da dinâmica proposta para  a experimentação da dança.

 

2. História da dança

A Dança é a forma artística mais antiga, pois mesmo antes de expressar suas experiências de vida através dos materiais, o homem o fez com o próprio corpo. Wosien afirma que a dança era o modo mais natural do homem harmonizar-se com os poderes cósmicos. O movimento rítmico seria a chave para a compreensão das leis que governam as manifestações desses poderes sendo, portanto, um meio de estar em contato com a fonte da vida.

O homem primitivo dançava em todas as ocasiões: nos momentos de alegria, sofrimento, amor, medo; dançava ao amanhecer, na morte no nascimento. Sinônimo de vida em seus aspectos essenciais , a Dança era uma ação espontânea, parte integrante do seu dia a dia.

O homem primitivo observava os movimentos dos astros e estrelas no céu, analisava seus efeitos e refletia sobre as relações entre eles. Com sua ilimitada sabedoria, esses filósofos da natureza e abnegados mestres da humanidade criaram uma filosofia embasada nesses conhecimentos, para ajudar o homem a compreender sua essência e as diferentes forma de experiência humana, explicando a verdadeira relação do homem com o universo e sua Dança Cósmica Sagrada.

Para Platão, “a dança  é um Dom dos deuses  e deve ser consagrada aos deuses que a criaram”. O homem antigo aprendeu a dançar com os deuses e dançavam para eles. Não é preciso voltar no tempo para que esses deuses e deusas sejam reinvocados, basta olhar para o nosso interior. Nos primórdios os deuses apareciam e agiam, hoje eles impulsionam o homem de dentro.

Trata-se de uma história comum à todas as civilizações, pois mesmo nas mais remotas organizações sociais, a Dança sempre esteve presente. Como todas as artes, está condicionada pelo tempo, pelas idéias e aspirações, pelas necessidades e esperanças de uma situação histórica particular.

Em decorrência de todas as transformações pelas quais vem passando ao longo da História, hoje encontramos na Dança uma variada mistura de estilos, procedências e concepções. O uso que se faz dessas formas é também muito extenso, abrangendo desde sua apresentação como espetáculo até como recurso terapêutico.

2.1. Conceito e Tipologia

A Dança é a representação de diversos aspectos da vida do homem. Pode ser considerada uma linguagem social que permite a transmissão de sentimentos, emoções e afetividade vividas nas esferas da religiosidade, da saúde, da guerra, e de todos os momentos importantes da existência.

Como manifestação espontânea do ser humano, a Dança pode ser individual ou coletiva.

 

A Dança Sagrada nasce da sabedoria do povo. É o contado do homem com a sua divindade, a união do homem com ele mesmo, com o seu próximo e com a realidade cósmica.

Na Dança Profana, que pode ser popular ou erudita, individual ou coletiva, o homem mostra sua irreverência, expressando a necessidade de libertar-se de tudo o que o oprime.

A Dança Ritual está indissoluvelmente relacionada com os ritos sagrados, sejam eles oriundos  das festividades agrícolas, ou de passagem do ano, coincidindo ou não com o nosso convencional “Ano Novo”.

A Dança Étnica  é o conjunto de tradições vivenciadas por um grupo de pessoas que se identificam por compartilhar elementos culturais ou raciais comuns, caracterizados por uma sincronidade de sons e movimentos que expressam a história e sentimentos de um povo.

A Dança Folcórica desenvolve-se em cada país conforme o temperamento e os costumes de cada povo. Baseia-se no ritmo e na criação através do movimento, fartamente sentido pelos artistas, que completam sua arte com pesquisas, buscando as origens de suas danças e acrescentando à elas uma forma teatral.

A Dança Guerreira tem como objetivo captar uma força viva, sobrenatural, que nasce dos esforços do grupo. Os dançarinos procuram mostrar como são seus costumes, sua religião e os grandes ritmos humanos de sua comunidade.

A Dança Nacionalista é aquela que caracteriza uma nação, como por exemplo o Samba brasileiro e a Dança Flamenga na Espanha.

A Dança Dramática é assim chamada em razão de seu conteúdo figurativo de fatos e passagens representativas da origens culturais. É inspirada, fundamentalmente, em fonte mágicas e religiosas, tanto pagãs quanto cristãs.

A Dança Auto-popular é a dança dos bailes, festas e outras reuniões sociais. A maioria das danças populares representam uma moda passageira, que fica ligada à época em que teve maior sucesso.

O Folgueto Popular constitui-se de brincadeiras de festas que o povo promove para se divertir.  Embora estejam desaparecendo, ainda existem várias no Brasil, com características bastantes populares, e podemos citar como exemplo a Congada, o Maracatu, o Moçambique, o Bumba meu Boi, etc.

O Bailado é a ação teatral representada por meio da dança com acompanhamento musical, podendo constituir um espetáculo independente ou inserir-se dentro de uma ópera.

O Cortejo é uma comitiva pomposa que acompanha uma procissão.

 

As Danças Circulares

As Danças circulares representam uma retomada de antigas formas de expressão de diferentes povos e culturas, acrescidas de novas criações, coreografias, ritmos e significações próprias do homem inserido na realidade atual.

Os diversos ritmos e passos experimentados possibilitam uma ampliação no repertório de cada participante. Compartilhando-os com o grupo, cria-se uma linguagem particular que se estabelece com a dança e que vai sendo decifrada e assimilada por cada indivíduo à sua maneira.

Ao dançar em roda, o indivíduo coloca-se em contato com o seu corpo em movimento, com o seu ser em expressão e com o grupo, estabelecendo e transformando suas relações sociais. É um instrumento para a ampliação da consciência individual e grupal.

A formação circular presente nestas danças expressa um significado importante, pois o círculo – como um dos símbolos mais poderosos e uma das grandes imagens primordiais da Humanidade – representa a totalidade completa, que no Tempo, quer no Espaço.

Em suas obras, C.G. Jung refere-se às “mandalas”- palavra sânscrita que significa círculo – como símbolo do “si mesmo”, a totalidade da personalidade. Para ele, a meta do desenvolvimento psíquico é o “si mesmo”, e a aproximação em direção à ela não é linear, mas circular. Apresentada desta forma, a mandala simboliza também a individualização, pois torna-se a expressão do caminho que conduz ao centro.

Em estrutura circular, todos os pontos giram em torno de um centro, e estão à mesma distância dele, fato que confere a este símbolo qualidade de igualdade e de unidade.Da mesma forma, dançar em círculo nivela todos os indivíduos, eliminando a hierarquia e permitindo que, através do olhar, todos se reconheçam como participantes igualmente valiosos nesta configuração.

A Entidade Humana

Para se falar em integração holística, é necessário falar primeiramente sobre a constituição do ser humano. Este se manifesta em três esferas de atuação intercomunicantes, a saber:

- Espiritual

- Psicológica

- Física

Nestas esferas que se entrelaçam, pode-se encontrar dois centros que constituem  o núcleo dual do ser humano:

- Eu Interior

- Eu Exterior

O Eu Interior que se encontra centrado na esfera Espiritual, é o responsável pelas características mais permanentes na entidade humana. É a auto-atualização, ou seja, a necessidade de tornar “atos” as “potencialidades”. É o núcleo mais elevado que guarda conexão com  a Mente Cósmica, o “Divino” que existe dentro de cada indivíduo. É através deste núcleo, que também pode ser denominado o “Self”.

O Eu Exterior, ou “Ego”, é a conexão com o mundo objetivo. Este centro responde pelo controle perceptivo e pelas funções racionais. É através do Eu Exterior que se estabelece as relações sociais no mundo exterior.

Em termos físico: o Eu Exterior está para o hemisfério cerebral esquerdo, e o Eu Interior está para o hemisfério cerebral direito.

A meta da entidade humana é a integração desses dois centros, a auto-realização, a busca daquilo que pode ser denominado de Consciência Cósmica.

Essa visão de homem era interpretada ha alguns anos atrás como “romântica, filosófica, mística”. O consciente poderia até ser aceito, mas a parte espiritual não. Hoje, porém a Ciência começa a reconhecer de maneira concreta essa visão.

Ao longo da história, o homem passou de ser completamente intuitivo a um ser completamente racional, hoje se assume como buscador do equilíbrio entre esses dois “polos” de sua natureza. Em seu processo de desenvolvimento, o homem ficou tão encantado com seus próprios atributos, que acabou vivendo extremos que hoje busca compensar.

Apesar de buscar esse equilíbrio, a sociedade urbana guarda muito de uma dicotomia que surgiu ao longo dessa evolução, representada principalmente pela visão científica newton/cartesiana, que separou mente e corpo, e fez o homem tratar seu ambiente de maneira compartimentada   e mecânica. Em conseqüência, hoje o homem vive dentro de uma suposta racionalidade, numa cultura que desrespeita O Ser Humano e a própria Natureza, impondo-lhe ritmos artificiais com os quais se vêm obrigados a conviver.

Hoje, portanto, faz-se urgente revisar valores e rever posições. Devido à muitos estudos, especialmente física quântica, cada vez mais a Saúde/Educação se inclinam para a visão do todo, e para o papel ativo que o homem tem na cura de seus males.

É neste contexto que a Dança Sagrada se integra como uma técnica de meditação ativa e, portanto, de integração holística.

 

Dança Sagrada: uma técnica de meditação ativa

Movimento. Eis a palavra chave.

Energia parada é doença; energia em movimento é saúde.

O pensamento é capaz de mover uma imensa quantidade de energia. Esse é o processo através do qual se dá a meditação.

Através da Dança Sagrada servimos da holopraxis – a prática do holismo – que incentiva a busca  da integração com o todo inseparável num corpomentecosmo. Esta integração só pode ter lugar através da experiência particular de vivência direta com o Divino, que leva a um despertar absolutamente inenarrável, secreto: sagrado no sentido de que só quem viveu a experiência sabe valorizar.

Há uma polêmica em torno do termo “sagrado”, muitas vezes associado ou confundido com “religioso”. Muitos focalizadores preferem utilizar o termo “circular” para amenizar o impacto.

 

Arquétipos nas Danças Sagradas

O Círculo: o centro

Representa a lei da conexão das coisas, a unidade do universo, isso é reproduzido na Dança através de todas as mãos dadas na roda.

A Espiral: o movimento

Outra lei representada é a do próprio movimento, do devir, da mutação, simbolizada pelo andar em círculo. Cada tradição tem um jeito preferencial de fazer o círculo rodar. O movimento simboliza o movimento do tempo, dando a sensação de passado, presente e futuro, mas que em verdade são um “continuum” inseparável.

O Círculo como um ponto: o fogo

O centro do círculo é a manifestação. É a criação. Neste centro pode estar, por exemplo, uma vela. A vela tem a função psicológica de ser um catalisador da atenção, ao mesmo tempo que simboliza a luz da consciência, a luz menor que está dentro do homem, a sabedoria que está envolvida na busca da harmonização com os ritmos cósmicos.

Mãos e Energia

A beleza do simbolismo da roda pode ser vista também no modo como se unem as mãos dos participantes . Existe um aspecto prático nisso, no que diz respeito á energia que circula o corpo. As mãos devem ser dadas no mesmo sentido, de modo que uma mão fique voltada para cima e a outra para baixo, assim a energia circula no mesmo sentido.

Braços e Corpo

Os braços podem “criar” várias coreografias nas danças e o mesmo acontece com o corpo. A forma mais simples é o posicionamento dos braços soltos e as mãos dadas: evoca o Movimento, o Progresso, a Renovação, o desejo de fazer o melhor, de partilhar o poder que se recebe da luz e doar para a terra, para os homens e para a humanidade. As mãos voltadas para a terra são um claro indicador desta aspiração.

Quando as mãos e os braços se erguem para o alto, representa a Força, o Portal, o louvor às Forças Superiores, o desejo de Mudança, a passagem, a verdadeira iniciação que se processa secretamente o cerne de cada um. É a busca da energia do céu aquela que modifica nossas vidas.

Ao trazer os braços à altura dos ombros, é uma advertência para que se tome consciência dos atos e das responsabilidades. Lembra a dimensão humana, que fica entre o céu e a terra. É uma dimensão de agradecimento por poder intermediar essas duas energias.

A trama de entrelaçar os braços é o aprofundamento das relações entre os homens, que irá revelar sua verdadeira natureza: a conexão com tudo que o cerca.

Repertório

As Danças Circulares Sagradas utilizam principalmente as músicas do folclore dos povos, dançada na maioria das vezes com passos originais, isto é, aqueles que foram e continuam sendo usados pelos povos da região em que surgiram. Geralmente as músicas e coreografadas  recentemente são regionais e não fazem parte do repertório de danças folclóricas.

Para a compreensão clara do repertório das Danças Circulares Sagradas, se aceita o fato de que a partir do momento em que Bernhard Wosien levou a primeira coletânea de músicas e danças para a Comunidade de Findhorn com o intuito de “trabalhar uma expressão corporal que pudesse transmitir organicamente um estado espiritual de alegria e amor”, afirmou-se ali um foco centralizador desse trabalho. Outras tantas danças folclóricas foram coletadas ao longo dos anos e, atualmente, muitos são os países que as utilizam para auxiliar no desenvolvimento desse novo tipo de “Homem Planetário” que está se firmando.

Benefícios Trazidos pelas Danças Sagradas

-           Traz a leveza, a alegria, a beleza, a paz, a serenidade, o amor que existe dentro de cada um;

-           Trabalha em grupo mantendo a individualidade;

-          Desenvolve o apoio mútuo, a integração e a cooperação;

-          É um instrumento suave de conhecer a si mesmo;

-          Manifesta a consciência de grupo;

-          Acolhe os erros, e incentiva o indivíduo a expressar o que ele tem de melhor dentro de si;

-          Harmoniza o grupo antes e depois de praticar as tarefas que lhe foram atribuídas;

-          Traz musicalidade, ritmo e leveza para a vida diária;

-          Trabalha o corpo físico, emocional, mental e espiritual;

-          Amplia a percepção, a concentração e a atenção;

-          Traz uma maior auto-disciplina e centramento;

-          Fortalece a necessidade que cada um tem de ocupar o seu lugar, o seu espaço;

-          Traz flexibilidade para a vida;

Com a prática destas Danças as pessoas passam a se valorizar mais, trazendo com maior clareza o que querem realizar em suas vidas. Além disto, pela sensibilidade que elas trazem, as pessoas tendem a se expressar cada vez mais ligadas com o coração, não mais tão racionais.

 

3. O Caráter Terapêutico da Dança

3.1 Dança e Expressão Corporal

A dança é uma arte que reúne características fundamentais para a realização do humano em cada indivíduo, ou seja, dá origem ao conhecimento do corpo, da relação psique-corpo e ao conhecimento de si.

A dança atua no corpo anatômico, no corpo social e no corpo psíquico do homem. A gestualidade, a movimentação, a criatividade e a expressão, são partes de sua estrutura.

Com a convicção de cada pessoa é um dançarino em potencial, a dança vem com o objetivo de ajudar o homem moderno a encontrar uma relação corporal com uma totalidade da própria existência.

Neste sentido, o uso de repetição é normal. Os movimentos devem incluir todo o corpo, ambos os braços e as pernas e não se deve exigir precisão para não impor restrições à individualidade. A aprendizagem da dança desde suas primeiras etapas, tem como principal interesse ensinar formas de viver, mover-se e expressar-se no ambiente que rege a vida.

Laban (1971), em sua Teoria do Movimento apresenta uma concepção de dança baseada na linguagem do movimento, definida como um sistema de expressão não-verbal, advindo em respostas a estímulos internos ou externos, para exprimir idéias, sentimentos para satisfazer necessidades físicas ou pelo puro prazer de movimentar-se.

A atividade criadora apresenta na opinião de Laban (1990) um efeito benéfico sobre a personalidade,é um meio pelo qual se fomenta a expressão artística de maneira criativa e apropriada para o desenvolvimento das pessoas. Seu método consiste em elaborar formas universais básicas de movimento, sua assimilação e reflexos subjetivos, não fundamentando-se na concepção de apresentação externa.

Para Naísa de França, bailarina, professora de Expressão Corporal e Arte do Movimento, a dança vem para aproximar a pessoa de seu corpo e para desbloquear os canais expressivos. Percebendo pulsações, ritmos, desejos e necessidades dá-se o movimento ao corpo com a força, energia , angústia, alegria, sono ou dor daquele momento.

Ou seja, experenciar a atenção aos mais variados estados existenciais, descobrir diferentes sensações tentando perceber o dinamismo interno presente no corpo relacionados às diferentes experiências da vida. Há, então, o reconhecimento do vivido que algumas vezes permite o surgimento  de danças espontâneas.

A criatividade é estimulada no sentido de que todos possam ir criando e improvisando os próprios movimentos, suas próprias coreografias, descobrindo novos movimentos, outras possibilidades de aberturas das articulações do corpo, outros ritmos.

A dança fluindo de dentro, fortalecendo e estimulando a criatividade, o desenvolvimento da auto-imagem e da auto-confiança.

À medida que conhecemos os conteúdos presentes no corpo, podemos redimensionar atitudes, reconhecer necessidades, explorar novas percepções e transformar a qualidade da própria vida e, quando integrada ao cotidiano da pessoa, fornece novos níveis de sensibilidade, percepção e consciência.

3.2 A Dança como Recurso Terapêutico com Pacientes Psiquiátricos

Basaglia (1981) diz que as pessoas que vivem histórias de intervenção psiquiátrica, em geral, sentem-se ameaçadas na sua integridade física e o corpo está no centro  da experiência ansiosa, como lugar mais imediato, no qual está focalizado para elas, qualquer possibilidade de dano. O corpo, em virtude da ansiedade, torna-se ao mesmo tempo “objeto-instrumento”  que a pessoa possui e do qual pode ser privado.

A terapeuta ocupacional Eliane Dias de Castro realizou um trabalho com pacientes psiquiátricos no CAPS de 1989-1991 que consistia no Grupo de Dança e Expressão Corporal, que fundamentou sua pesquisa referente ao uso da dança como recurso terapêutico na apropriação de si mesmo. Alguns de seus referenciais teóricos usados foram Laban e Naísa de França.

Eliane Dias de Castro baseou-se no princípio de “grupo aberto”- que estabelece que a demanda  não deve ser selecionada segundo qualquer critério técnico de priorização pré-estabelecida, representando uma forma de trabalhar que não hierarquiza necessidades ou sofrimentos- todo usuário presente na casa no dia do encontro era convidado a participar.

3.2.1 O Processo

“ A música busca a totalidade do corpo para expressar-se” ( Fux,1988)

Antes de iniciar o processo de dança é preciso observar os desejos do corpo, e para isso, deve-se voltar a atenção ao próprio corpo, unir o que faz parte de nossa vontade (interno) com o que o ambiente nos proporciona (externo).

Para que essa união ocorra, a música deve ser introduzida aos poucos, respeitando o ritmo e a melodia de cada ser, mesmo porque este contato com o corpo, com a subjetividade, com as vontades e desejos podem gerar angústias, medos, receios, sentimentos que podem indicar uma relação com o desconhecido: o movimento improvisado.

Uma forma de amenizar tal desconforto dá-se no contato com o externo, no contato com o outro através do ato de tocar, isso possibilita  fornecer informações do que é meu e o que está “fora” de mim e não me pertence, como nos descreve Walter Ong: “Sinto o outro e eu mesmo simultaneamente”.

 O resgate do ato de tocar, como algo esquecido, vem na experimentação de suas próprias formas de tocar, vivenciando o toque de forma lúdica, compreendendo e expressando a necessidade de tocar e ser tocado, apropriando-se desta forma de contato.

E é a partir do contato com nossas necessidades e desejos, e conhecimento do que nos é próprio e o que pertence ao outro, é que podemos então, compor uma relação de criação tanto individual quanto em conjunto.

Uma comprovação desta criação é o ato de brincar, gestos de tanta simplicidade, mas que favorece a vivência de uma realidade interna e uma realidade externa, permitindo uma cumplicidade criativa assumindo um caráter essencial para o desenvolvimento humano.

Desta forma, pode-se caminhar em direção aos jogos, já que estes proporcionam o envolvimento total dos participantes, os quais permanecem sempre dispostos e desejosos de acontecimentos novos, respondendo a estes, expondo assim a presença individual de cada participante. Então como nos descreve a autora Eliane Dias de Castro, em sua tese “ A apropriação de si mesmo através da dança”, o jogo tem como função ser condutor, preparando o “campo” para a atividade de dançar, já que neste ato necessita-se de uma maior contribuição individual.

Na mesma tese acima citada a autora coloca que para a atividade da dança é preciso observar pontos que ela considera como fundamentais, tais como: a vontade de dançar do participante, as modalidades culturais da dança, a investigação, criação e improvisação dos movimentos, bem como, o estímulo do conhecimento e apropriação do repertório de movimentação individual, tendo como essencial a espontaneidade para assim atingir o desenvolvimento do conhecimento do corpo.

Para que haja um bom envolvimento, a escolha correta das músicas é fundamental, pois são elas que colocarão os participantes em movimento, e quanto mais significativas elas forem, mais e melhor serão aceitas, possibilitando estimular o desejo de movimentação, podendo assim ajudar a transformar os potenciais adormecidos no corpo, através da criação e improvisação de danças, como nos informa Eliane Dias de Castro em sua tese sobre a apropriação de si mesmo através da dança.

Nesta mesma tese podemos verificar a importância do reconhecimento de movimentos e ritmos já trilhados, onde o indivíduo pode projetar tudo aquilo que reconhece como próprio, dentro de seu contexto cultural; isto é conseguido por intermédio da dança contextualizada, na qual as modalidades culturais são vivenciadas.

No entanto para que isto ocorra é importante estar atento ao ritmo individual, ou seja, o ritmo que está presente na respiração, nas emoções, sentimentos, movimentos, enfim no ritmo presente no ato de viver. Dançar este ritmo individual permite o vivenciar a própria subjetividade e relacioná-la com o que é objetivo, que lhe é externo.

Assim,a dança propicia a vivência de uma linguagem não-verbal, na qual a pessoa depara-se com seu potencial gestual e de movimentação, trazendo-o à luz da consciência.

3.2.2 A Avaliação

A avaliação auxiliou na identificação de como a dança e a expressão corporal constituem-se como um recurso de autoconhecimento e expressão para pessoas que buscam auxílio psiquiátrico.

A avaliação configurou-se em dois momentos distintos. O primeiro deu-se a cada encontro, tanto na observação do processo do desenvolvimento do conteúdo relacionado à dança e expressão corporal, como através dos registros realizados durante (fotos e vídeo- cassete) e após (relatórios escritos) os encontros. Assim, foi possível acompanhar o dinamismo gerado pelo trabalho e conferir as práticas realizadas no trabalho com o corpo.

O primeiro momento da avaliação proporciona um desenvolvimento da percepção e uma atenção voltada para o presente. Desta forma, foi possível identificar os passos seguintes e perceber as diferenças e semelhanças entre os componentes do grupo e o momento de cada um.

 Os usuários, de modo geral, apresentavam uma fragilidade e inconsistência que a princípio não garantiam uma comunicação e o encontro. Ao lançar mão de uma atividade expressiva e artística como a dança, há a vivência de uma temporalidade diferenciada.

Nos encontros surgiam alterações nos aspectos físicos, psíquicos, sociais e do cotidiano dos usuários. Aspectos físicos como mudanças na cor da pele, alterações de temperatura, alterações na postura, movimentação e respiração. Nos aspectos psíquicos,evidenciaram-se a expressão de sentimentos, idéias, sensações, percepções e das próprias emoções. A sociabilidade surgia nas trocas entre o grupo como presentes, beijo, abraço e relatos da história de vida.

O cotidiano dos encontros foi enriquecido à medida que os usuários falavam do que gostavam ou não e contribuíam tocando instrumentos, recitando poemas,entre outros.

O desenvolvimento do trabalho foi calcado nas transformações que referiam-se à apropriação de si mesmo.

A apropriação de si mesmo refere-se à promoção de consciência e à criação de um cotidiano de reconstrução, além do reconhecimento de um sujeito portador de necessidades e responsabilidades com direitos e deveres.

A dança permite a investigação da noção de espaço. Os usuários foram estimulados  a explorar os espaços internos existentes nos seus corpos, espaços relacionados aos apoios do corpo no chão e nas diversas posturas, além da investigação de espaços externos como a sala do grupo de dança.

Para um esquizofrênico construir alguma história, é preciso que ele estruture minimamente uma imagem do corpo. (Pelbart,1916)

Os usuários, ao entrarem em contato com seus corpos e colocarem-se em movimento e no desenvolvimento de um trabalho grupal, puderam expressar o reconhecimento da própria imagem, porém ao se referirem aos sentimentos a ela relacionados, expressaram autodepreciação e uma desvalorização de si mesmos, relatando experiências de desorganização interna, de posse de um corpo fragmentado, fundido e confundido com o mundo ao seu redor. (Kehl,1990)

Ao longo da vida o indivíduo precisa se aproximar de sua imagem corporal para saber de si mesmo e conquistar poder sobre si e sobre outros.

A dança e a expressão corporal promovem a vinculação entre as pessoas (coordenadores e usuários), apresentando uma possibilidade de relacionamento não-verbal, seja através dos jogos e da movimentação, seja através da possibilidade de dançar uns com os outros ou ainda através do toque e das massagens.

Foram valorizadas as trocas entre os integrantes do grupo, apontando-lhes as semelhanças e diferenças existentes na experiência de cada um e oferecendo um momento para elaboração, reflexão e entendimento dos acontecimentos vividos.

Como um segundo momento da etapa de avaliação, foram colhidos depoimentos que seriam a colaboração individual sob diversas formas de expressão (desenho, fotos, texto, gravação em fita cassete,etc) de modo a valorizar a criatividade espontânea dos usuários. Foram propostos quatro encontros para esta etapa.

Verificou-se que o usuário teve oportunidade de desenvolver atividades que lhe instrumentalizaram para a própria vida.

Dançar, movimentar-se, relaxar, brincar ou tocar seria o método de ação adequado para o usuário enfrentar angústias, tensões, criando oportunidades para que os conteúdos do inconsciente encontrassem formas de expressão.

Com o objetivo de estimular os usuários a expressarem suas necessidades, entra-se em contato com suas realidades, identificando a necessidade de cuidados corporais e da troca de informações sobre o funcionamento e a constituição corporal, sobre a sexualidade e necessidade de troca afetiva. O suporte afetivo auxilia nas tentativas de ordenação interna, bem como nas tentativas de volta ao mundo externo.

A  participação dos usuários no Grupo de Dança e Expressão Corporal contou com um grande número de pessoas que ao serem convidadas a participar demonstraram interesse e curiosidade, e à medida que passavam a compor o grupo, demonstraram uma necessidade de conhecer e trabalhar o próprio corpo em diversos aspectos.

A proposta visou o conhecimento, a autonomia e a convivência com os outros. O conhecimento foi organizado a partir de 3 direções: do próprio corpo, dos elementos do mundo externo e do relacionamento com outros usuários.

A autonomia, o autocuidado e a consciência são três vertentes que se interrelacionam. À medida que tomamos conhecimento de nós mesmos  passamos a valorizar o autocuidado. Cuidar de si significa estar atento aos próprios desejos e necessidades. Quando há a possibilidade de tomar consciência de si e ser ativo no autocuidado, há um apelo para que o corpo aproprie-se de suas necessidades e potencialidades, o que acarretará no desenvolvimento individual, como sujeito responsável pela própria evolução.

O trabalho com o corpo torna-se um aliado uma vez que , na complexidade do cotidiano, o corpo é solicitado na reconstrução da própria história.

Portanto, junto aos usuários do CAPS, a dança e a expressão corporal apresentaram-se como uma atividade que despertou a vontade do autocuidado e um novo contato e aprendizado em relação aos próprios corpos- uma nova forma de prestar atenção na linguagem que o corpo ensina, nas necessidades de movimentação e na discriminação de sensações.

 

Na prática em Saúde Mental é preciso muita atenção e reflexão para que o trabalho não se torne um dispositivo institucional de normatização institucional, quando o intuito é instrumentalizar a pessoa para que possa ser o que é.Há a verificação de uma escassez, na busca de assistência psiquiátrica, de propostas que dêem conta dos conteúdos e necessidades corporais.

A opressão e outras formas de violência e dominação social com as quais a pessoa considerada louca tem que se confrontar são resultados do processo de exclusão que o homem realiza. A auto-estima e a auto-imagem,em geral, apresentam-se desvalorizadas pois a família, a sociedade e a condição econômica pouco contribuem para novas perspectivas na vida destas pessoas.

4. Descrição da Dinâmica

1) Favorecimento do “tempo de chegada” e reconhecimento das partes do próprio corpo

Através do “faz de conta” pedir aos participantes que refaçam o processo de despertar:

- Pedir aos participantes que se deitem e se imaginem dormindo

- Após alguns minutos pedir-lhes que despertem, como se o relógio houvesse tocado indicando que é “hora de acordar”

- Pedir aos participantes que realizem tarefas que lhes são rotineiras ( banhar-se, escovar os dentes, trocar de roupa, tomar café, ect)

- Representar para si toda a rotina diária desde o despertar até o sair da residência em direção à faculdade

Nesta etapa pretende-se fazer com que os participantes através da manutenção da AVD`s possam entrar em contato com partes do próprio corpo, observando a existência concreta de cada uma por intermédio de tarefas que lhes são conhecidas e vivenciada todos os dias, além de favorecer a representação do “tempo de chegada”, no despertar para observação do corpo (pelo ato de tocar-se) e da preparação para sair em direção à faculdade, permitindo desta forma o envolvimento consigo mesmo.

2) Momento lúdico, o ato de brincar

- Pedir aos participantes que formem um círculo dando-se as mãos;

- Perguntar se algum dos participantes se lembra e queira cantar uma música infantil que seja própria para brincadeira de roda. Exemplos: ciranda –cirandinha; atirei o pau no gato; pombinha branca; carangueijo peixe é, ect;

- Cantar e brincar de roda

Nesta etapa pretende-se permitir o contato com o outro e a possibilidade de uma vivência criativa, fornecida por relembrar as músicas e suas ações advindas destas, favorecendo assim o começo de envolvimento e reconhecimento do outro.

3) Ainda permanece como momento lúdico, porém enfocando a participação individual, expondo a presença de cada participante

- Ainda em círculo e com as músicas de roda infantil, introduzir a competição, através de músicas que favoreçam jogos. Como por exemplo:

- A música do peixinho: “Se eu fosse um peixinho e soubesse nadar, eu tirava ------- (nome da pessoa) do fundo do mar”

Gerando a expectativa de quem cantará a música e quem ficará por último

- A música do lencinho: “Lencinho branco caiu no chão, moça bonita do meu coração.Pode jogar? Pode (coro). Ninguém vai olhar? Não (coro).

Que permite a atenção constante para não ser surpreendido.

Esta fase é uma preparação para o ato de dançar, conforme a autora Eliane Dias de Castro refere em sua tese, pois segundo ela a atividade de dançar necessita de uma maior contribuição individual e o jogo permite que isso venha a ocorrer.

4)  O ato de dançar

- Primeiramente pedir aos participantes que dancem sozinhos;

- Caso já haja possibilidade de escolha de música entre os participantes, melhor será realizada a tarefa, pois serão músicas que significam algo de importante para os mesmos;

- Caso não seja possível a escolha no momento, priorizar músicas que permitam o movimento, possibilitando tanto a movimentação quanto a criação desta

 

Nesta primeira etapa prioriza-se a percepção do ritmo individual ( de sensações, emoções, sentimentos de desagrado, de dificuldade de início da criação do movimento), desta forma o participante poderá vivenciar sua subjetividade e relaciona-la com o que é objetivo e que lhe é externo, o ambiente.

- Na seqüência pedir aos participantes que dancem em dupla

- Sempre atentar aos desejos dos participantes na escolha das músicas

- Propiciar o contato com o outro através dos movimentos de criação da dança.

 

Nesta segunda etapa o objetivo é o relacionamento com o outro. Observar o que é próprio do indivíduo e o que faz parte do outro, possibilitando a expressão da linguagem não verbal oferecida pela música e pela dança, por meio da criação do movimento.

5) Retorno à percepção das partes do corpo

- Pedir aos participantes que deitem-se novamente de forma a mantê-los confortáveis;

- Pedir que escutem os ruídos exteriores (fora da sala), depois voltem sua atenção para os ruídos ainda externos aos participantes, mas que sejam provenientes da sala;

- Neste momento iniciar um som de música suave, que propicie uma imagem de descanso ;

- Pedir aos participantes que aos poucos voltem sua atenção para seu ritmo interno (respiração, batimento cardíaco, sons individuais)

- Pedir aos participantes que percebam como está seu corpo, relembrar o que foi realizado durante a dinâmica;

- Pedir que se imaginem como no final de um dia produtivo, e que estão indo descansar, relaxar, dormir;

- Permitir neste momento que só o som da música seja ouvido, permanecendo assim por alguns minutos;

- Aos poucos ir diminuindo o som da música e chamando novamente a atenção dos participantes a “acordar”, a perceber-se e despertar.

 

 Nesta última fase, visa o retorno ao ritmo interno e individual de cada participante, além de tentar propiciar bem-estar e retorno às atividades do cotidiano.

 

5.Conclusão

Neste trabalho pudemos verificar que a dança é uma forma de expressão artística que está relacionada com a cultura de uma sociedade num determinado momento histórico. Este contexto gera, certamente, influência sobre a manifestação de gestos e movimentos livres de cada indivíduo, constituindo uma dança particular repleta de conteúdos, que podem ou não ser percebidos. Neste sentido, o corpo é um meio por onde emoções afloram e estímulos são captados.

A experimentação de diversas formas de dança e de dançar pode proporcionar, a nós alunos, a oportunidade de perceber as manifestações de nossas emoções além de nos permitir refletir a respeito do potencial terapêutico da dança.

Por fim, a dança é uma forma de emancipação para as pessoas quando tratada metodologicamente como fonte de conhecimento. Portanto a relação terapêutica é aquela que reconhece que ao paciente cabe o desejo de cuidar-se. O terapeuta é um instrumento para auxiliar a pessoa a compreender-se como agente de sua própria vida.

 

6.Referências Bibliográficas

- CASTRO, Eliane D. A apropriação de si mesmo através da dança. São Paulo,1992, Dissertação (Mestrado), ECA/USP.

- RAMOS, Renata C. L. Danças Circulares Sagradas: uma proposta de educação e cura. São Paulo, Triom,1998.

- www.crosswinds.net/~corpoemdança.htm

-http//holos.com.br/artigos/dançascirculares.html